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O papel das tubas uterinas no câncer de ovário

Jesus Paula Carvalho

Câncer de ovário é a neoplasia maligna ginecológica mais agressiva. Tem a maior morbidade e a maior taxa de mortalidade. A sobrevida de 5 anos é alcançada por menos de 50% das pacientes, mesmo com os melhores tratamentos cirúrgicos e quimioterápicos. Para agravar ainda mais o cenário, as diversas tentativas de estabelecer programas de prevenção, rastreamento e diagnósticos precoces da doença têm apresentado resultados decepcionantes.

A possível solução deste grande desafio é sem dúvidas conhecer melhor a carcinogênese ovariana e desta forma, talvez possam surgir estratégias novas e eficientes para prevenir, detectar precocemente ou mesmo tratar esta doença de tamanha gravidade. Neste breve artigo apresentamos um dos tópicos mais atuais e interessantes da carcinogênese ovariana que é o papel das tubas uterinas.

Existe um grupo de mulheres de altíssimo risco para câncer de ovário. São as mulheres com mutação dos genes BRCA1 e BRCA2(1). Familias com dois ou mais casos de câncer de ovário têm 50% de chance de apresentarem mutações nestes dois genes. Na população geral, 5 a 15% dos carcinomas ovarianos são decorrentes de mutações BRCA1/BRCA2(1-3).

Para estas pacientes com mutação confirmada dos genes BRCA1/BRCA2, o risco de desenvolver câncer de ovário ao longo da vida pode chegar a 60%, o que é um risco exageradamente alto para uma doença tão grave. Por este motivo, as pacientes com mutação do BRA1/BRCA2 têm sido orientadas a fazer ooforectomia profilática aos 35 anos de idade(4, 5).

No exame anatomopatológico dos espécimens retirados profilaticamente destas pacientes com mutação, encontra-se carcinoma seroso em proporções que variam de 2,3 a 17%(6-8).  O mais interessante é que estes carcinomas subclinicos, encontrados em exames de especimens supostamente normais, encontram-se não nos ovários como era de se esperar, mas nas tubas uterinas. E nas tubas uterinas em grande parte das vezes o carcinoma encontra-se na forma in situ. Isto confirma que a doença realmente originou-se nas tubas e não nos ovários.

Outro fato intrigante é que enquanto o carcinoma in situ ou neoplasia intra-epitelial é uma entidade comum na vulva, vagina, colo do útero e mesmo no endométrio, praticamente não existe carcinoma in situ do ovário, ou se existe o diagnóstico é excepcional. Por outro lado, as tubas uterinas foram tidas por muito tempo como sítios raros de tumor, mas agora com o estudo sistemático em pacientes de alto risco para câncer de ovário, com mutação do BRCA1/BRCA2, verifica-se que a neoplasia intra-epitelial tubárica e mesmo o carcinoma seroso primário da tuba uterina é uma entidade não tão rara quanto se julgava anteriormente, e a região mais propensa ao inicio do câncer nas tubas, são as terminações das fimbrias onde existe a transição do epitélio ciliar tubárico com o mesotélio peritoneal(6, 8-24).

Desta forma, pode se concluir que as tubas uterinas é o sítio de origem  de pelo menos uma parcela importante dos carcinomas serosos anteriormente atribuídos aos ovários. Talvez não seja o sitio de origem de todos os carcinomas serosos, mas pelo menos nas pacientes com mutação do BRCA1/BRCA2, a grande soma de evidências apontam neste sentido.

Considerando-se que o carcinoma seroso inicia-se na transição do epitélio de revestimento tubárico com o mesotélio peritoneal, pode-se especular que existem fatores que aumentariam o risco de transformação neoplásica nesta transição dos dois epitélios.

Os ginecologistas conhecem bem a transição entre o epitélio escamoso do colo do útero e o epitélio glandular endocervical e sabem que este é o sítio preferencial para o inicio do carcinoma do colo do útero. Nesta área crítica chamada junção escamo-colunar existe dois fatores carcinogênicos importantes: a inflamação crônica e um agente biológico, o papilomavirus humano (HPV)(25).

Outra situação similar ocorre na junção do epitélio escamoso esofágico com o epitélio glandular gástrico. Este sítio também é zona de alto risco para o aparecimento do câncer e é sede de inflamação crônica e tem um agente biológico relacionado com o câncer, o H.pylori(26).

Nas tubas uterinas existe a transição entre o epitélio ciliar tubárico e o mesotélio peritoneal; existe inflamação crônica de várias etiologias, sendo a mais persistente e assintomática a inflamação crônica da infecção por Chlamydia trachomatis. Se estes fatores podem induzir ao câncer de ovário em pacientes suceptiveis geneticamente, é uma hipótese a ser comprovada(27). De qualquer forma, é recomendável incluir a salpingectomia bilateral nas pacientes em quem se deseja reduzir cirurgicamente o risco de câncer de ovário.

Referências bibliográficas

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