O corpo e o padrão de beleza
- Disciplina de Ginecologia da FMUSP
- há 12 minutos
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por Eudes Quintino de Oliveira Júnior
O ser humano, pela sua própria natureza, preocupa-se com o seu bem-estar e estabelece regras rígidas de estética para o seu próprio corpo. Para tanto, muitas vezes, como um bom espartano, frequenta academias e praças de exercício para conseguir um peso que lhe seja satisfatório, de acordo com o programa de saúde adotado e com os objetivos almejados. O modelo de beleza, principalmente o feminino, está intimamente ligado aos padrões internacionais, sempre capitaneados pelas famosas musas que ocupam as passarelas.
Assim, cada um leva sua vida de acordo com os critérios escolhidos, compreendendo todas as opções praticadas na sociedade, com sua autonomia e independência, fazendo aquilo que for de seu interesse para alcançar os objetivos de vida propostos, sem, no entanto, colidir com o do alheio. Quer dizer, no universo das diferenças, procura-se um senso comum que seja do agrado de todos, não só no relacionamento entre as pessoas, mas também na estética do próprio corpo.
O padrão de beleza evolui com os critérios da própria humanidade. Cada época adota seu modelo, entoando o ritmo do let's stay young forever. Atualmente, pelas exigências da indústria da moda, as modelos devem apresentar um corpo cada vez mais magro. Para tanto, sacrificam-se e muitas vezes rejeitam alimentos ou fingem saboreá-los, ingressando no transtorno psicológico da anorexia. É a beleza presente, já fugidia no corpo esquálido. Fica até difícil apontar um padrão de mulher que possa representar o belo.
Há um consenso na literatura mundial de que a mulher mais bonita é Anna Karenina, personagem do autor russo Liev Tostói. De tão formosa, fazia as pessoas perderem a fala. Para o nosso lado, com o suor e a cor indígena, José de Alencar pintou Iracema como a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que às asas da graúna e mais longos que o talhe da palmeira. Bonita e misteriosa, Capitu foi descrita por Machado de Assis com olhos de cigana oblíqua e dissimulada. Beleza é fundamental, cantava Vinicius de Moraes, com as escusas devidas às mulheres não portadoras do predicado. Nenhuma delas, no entanto, somando-se a elas a Mona Lisa de Leonardo da Vinci, apresentava-se magra, ou melhor, magérrima, como a exigência atual.
A preocupação com a aparência física é louvável, mas a modelagem do corpo para se adaptar à ditadura da moda, com o jejum obrigatório e a consequente utilização de laxantes, diuréticos e medicamentos para emagrecimento, transformam jovens saudáveis em belezas esqueléticas, atingindo a magreza em seu nível excessivo e prejudicial à saúde. Somam-se no mundo vários casos de morte por anorexia. Lembro-me, com certa melancolia, da morte da cantora Karen Carpenter, considerada uma das vozes mais envolventes, principalmente quando entoava Close to you que, juntamente com seu irmão, formou o grupo The Carpenters. Começou a fazer dietas obsessivas e desenvolveu anorexia nervosa, vindo a falecer aos 32 anos, no auge da fama.
De um lado fica até difícil dimensionar a intervenção estatal para regular a imagem do corpo, que é a extensão da intimidade individual. Pode-se até cogitar em situações que justifiquem um posicionamento governamental com ações preventivas somente, impedindo a jovem de agredir o próprio corpo e provocar sua morte, numa visão holocáustica, como árvore seca no coração de um deserto, descrito pelo Nobel da Paz Elie Wiesel. O padrão de beleza desloca-se, portanto, da exigência imposta comercialmente pelas agências da moda e meios de comunicação e ingressa no limite ético determinado pelo bem-estar físico e mental, nos parâmetros de respeito à dignidade humana, um dos fundamentos de nossa Constituição.
O próprio IMC - Índice de Massa Corpórea, por si só, não é um marcador para se encontrar o peso saudável. Segundo a OMS, o indicador de 18,5 kg é classificado como abaixo do peso, ingressando na classificação de pessoa magra. Para se chegar ao peso permitido, basta pegar a altura e multiplicar por ela mesma. Em seguida, dividir o peso pelo resultado da primeira operação.
Assim o corpo perfeito não é mais aquele preconizado pela estética corporal ditada pelos regramentos da beleza, que recomendam uma silhueta esquia para se enquadrar nos parâmetros exigidos e, sim, aquele que satisfaz a própria pessoa ofertando-lhe a melhor sensação de bem-estar. Mens sana in corpore sano, é a receita infalível.
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