
por Eudes Quintino de Oliveira Júnior,

No texto de hoje, o doutor Eudes aborda a violência obstétrica. Confira o texto na íntegra:
É interessante observar que, quanto mais avança a medicina no sentido de oferecer cuidados específicos em determinados procedimentos, maior se torna a proteção dos pacientes, além de criar um campo de tutela em que vários deles são aquinhoados com direitos aderentes à sua própria condição de saúde.
É o que acontece, por exemplo, nas ações relacionadas ao parto, compreendendo várias dimensões de cuidados, que vão desde a gestação, o parto e o pós-parto. Em todas as fases, no entanto, há a obrigatoriedade, advinda do texto constitucional, que abriga não só a obediência ao princípio da dignidade da pessoa humana, como, também, outros direitos fundamentais, visando proporcionar à parturiente a melhor assistência à saúde com um parto digno e humanizado, priorizando seu bem-estar físico e emocional, juntamente com o da criança, atentando sempre que o direito à vida ou à saúde foi erigido à categoria de primeira geração.
E é em razão da atenção diferenciada às gestantes que passou a se utilizar o termo "violência obstétrica", no sentido de designar a ocorrência de abusos, maus tratos, negligência e outras violações desrespeitosas da saúde materna e fetal.
Algumas tentativas foram feitas por instituições médicas, dentre elas a Febrasgo - Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, no sentido de eliminar referido termo que, na realidade, reflete uma conotação genérica e, ao mesmo tempo, agressiva, permitindo até a interpretação que médicos e enfermeiros rotineiramente tratam as parturientes de forma violenta, quando, na prática, alguns profissionais incidem em comportamento tão reprovável.
Cabe aqui a observação, em busca de nomenclatura mais apropriada, que o CNJ acolheu o pedido feito pelo CBC - Colégio Brasileiro de Cirurgiões e modificou a tabela processual unificada com a eliminação do termo "erro médico" para uma nova denominação consistente em "danos materiais e/ou morais decorrentes da prestação de serviços de saúde".1
Isto porque o termo "erro médico" carregava uma distorção histórica ao responsabilizar os médicos por todos os erros e falhas praticados no âmbito hospitalar e que, na realidade, teriam sido praticados por profissionais de outras áreas.
Na violência obstétrica encontram-se as ofensas verbais, com a nítida intenção de menosprezar, diminuir, ridicularizar a mulher; ameaças de não atendimento, mesmo com o apelo de dor por parte da gestante; aplicação de medicamentos para aceleração do parto; realização de cesarianas desnecessárias, contra a vontade da parturiente; não obtenção do termo de consentimento informado antes de qualquer procedimento; proibição de ter um acompanhante durante o trabalho de parto, em manifesta violação a tal direito; violação à privacidade e várias outras.
A OMS, em documento intitulado Prevenção e Eliminação de Abusos, Desrespeitos e Maus-tratos durante o parto em instituições de saúde, publicado em 2014, assim se manifestou: "Todas as mulheres têm direito ao mais alto padrão de saúde atingível, incluindo o direito a uma assistência digna e respeitosa durante toda a gravidez e o parto, assim como o direito de estar livre da violência e discriminação. Os abusos, os maus-tratos, a negligência e o desrespeito durante o parto equivalem a uma violação dos direitos humanos fundamentais das mulheres, como descrevem as normas e princípios de direitos humanos adotados internacionalmente".2
O termo combatido, desta forma, ganha especificidade e elasticidade toda vez que cada ação praticada contra uma mulher no procedimento obstétrico provoque nela qualquer situação inequívoca de violência física, psíquica, emocional, constrangimento ilegal, desrespeito, maus tratos, ameaças e outras consideradas inadequadas ao senso do homo medius.
É incontestável que, no instante em que ocorre o atendimento de uma mulher grávida, forma-se entre paciente e médico um dever jurídico e um dever contratual. Essa vinculação acarreta uma dependência de proteção, de confiança onde fica expresso o cuidado especial que a ocorrência exige. O dever jurídico surge em razão da própria obrigação advinda do exercício médico. O contratual não é somente aquele que brota de uma disposição escrita entre as partes, mas compreende também aquele em que o médico se apresenta como um profissional garantidor e protetor daquela vida humana.
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